O Budismo é uma religião nobre porque tem alcançado manter-se afastado de certos extremos, resultado do seu culto ao discernimento e ao equilíbrio. Dizem às vezes que sendo “ateísta” sequer seria uma religião e sim uma “filosofia”, o que representa uma simplificação já que termina por surgir ali figuras abstratas com poderes divinos, e nesta linha teríamos que considerar o Hinduísmo também uma filosofia apenas porque abriga correntes materialistas.
O Budismo agrega categorias que vão desde o leigo e o noviço (dito sravakas, “ouvintes”, como na escola pitagórica) até os emancipados ou iluminados (arhat, asekha, buddha).
O “fundamentalismo” estaria meramente associado à chamada doutrina-raiz (dharmadatu), que é o ensinamento inicial do Buda acerca das Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo, representando a essência do canon pali original. Mesmo aqui existe porém um amplo corpo doutrinal, que ainda se desdobra nas sucessivas grandes escolas budistas (yanas) surgida através dos séculos (inclusive através de sincretismos e releituras), mediante novas revelações ou “descobertas” de ensinamentos do Buda e seus grandes discípulos.
Ao contrário do que se imagina, o anti-fundamentalismo não seria exatamente o liberalismo, e sim o modernismo. Ora, mesmo na espiritualidade se reconhece a necessidade da atualização das doutrinas, sem o que sequer seria possível vivenciar bem ideias que se originam necessariamente num dado contexto histórico. A maior prova disto seria, talvez, a própria doutrina hindu sobre o advento cíclico dos avatares.
O fundamentalismo se caracteriza por um comportamento espiritual pouco especializado. A imagem de um profeta-guerreiro destoa de muitas ao redor do mundo de santos, sábios e ascetas; especialmente num contexto maior globalizado. Da mesma forma, a intenção de impor a ferro e fogo uma “boa-nova” a desqualifica um tanto, bastaria viver e levar informação como fizeram os primeiros cristãos, que queriam mais convencer do que vencer.No contexto superficial do fundamentalismo, é muito fácil enredar a religião com todo o tipo de mazelas humanas. Daí surgem desde as mais vulgares “teologias de prosperidade”, as indulgências e a pedofilia, até Cruzadas e Jihads ou “Guerras Santas”.Neste ambiente religioso sempre beirando ao laicismo, o ego pessoal se mistura facilmente às “causas nobres” de Deus, produzindo arbitrariedades, coerções e constrangimentos. Medíocres se fazem importantes iminências-pardas, e sociopatas emergem como autoridades notórias. As áreas religiosa e a empresarial estão entre as que mais atraem psicopatas, e a religião pode reunir ambas, sobretudo na faceta da “prosperidade”. Não se deve imaginar que este meio seja desprovido de erudição. O conhecimento pode ser um excelente álibi para o fundamentalismo.
Este é no geral o ambiente da religião institucional e burocrática, carente muitas vezes de uma ordem regular por detrás, com mecanismos de auto-depuração e cultivo pessoal. Por decorrência nada disto está longe do desvio mental e da obsessão. O novato conhece muitas vezes arroubos religiosos e por falta de orientação pode julgar-se como um eleito, quando na verdade pode estar apenas recebendo um chamamento para dar início a uma longa busca interior. A redenção ante crises, enfermidades e vícios aparece como uma vantagem real, sem que tal coisa deva ser tida porém como uma “salvação”.
O tema do fundamentalismo é familiar às dinâmicas da Igreja e suas oposições. A Igreja medieval manifestou muitas das mazelas próprias das instituições com grande poder. Podemos observar duas grades correntes históricas de contestação: o franciscanismo e o luteranismo. Porém, enquanto São Francisco realizava uma crítica a partir da essência cristã, Martinho Lutero protestava contra a corrupção ativa dos padres. Um investiu num reforço e depuração através das ordens, e outro enveredou na extirpação das ordens aproximando-se do laicismo. Ambas correntes manifestam aspirações renovadoras, evangélicas e pentecostais, porém o franciscanismo abriga doutrinas renascentistas (“holísticas”) e o luteranismo acolhe doutrinas iluministas (modernistas). Por isto o espiritualismo franciscano reforça o ambientalismo e o credo evangélico investe na auto-ajuda.
O franciscanismo e o luteranismo possuem caráter muito diferentes. Enquanto o primeiro representa uma renovação espiritual (comumente realizada através de santos) com natureza evolutiva (resultando no “espiritualismo”), o último corresponde a uma “reforma” (realizada através de sábios) tendo até certo caráter punitivo (donde a ação “protestante”), e positiva desde o ângulo economicista –obviamente como uma conquista para a burguesia. Porém o luteranismo (evangelismo) terminou se combinando com o movimento carismático (ou pentecostal).
Esta religião necessita rever seus padrões pois não pode pretender exportar seus dogmas para outras culturas, aquilo que pode ser bom para uns pode não ser para outros –aliás, numa humanidade tão afastada de Deus, talvez os ídolos (ou ícones) religiosos possam ajudar mais do que os ídolos capitalistas. O velho proselitismo não tem mais lugar na Nova Era, menos ainda aquele feito através da violência.
Luís A. W. Salvi é escritor holístico, autor de cerca de 150 obras sobre a transição planetária.
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